quarta-feira, 29 de julho de 2009

REGISTRO REFLEXIVO SOBRE A IDA A CAMPO
pelo educador Flávio Busnello em março de 2002


O Cônego José Leão Hartmann, como praticamente todas as outras escolas, depara-se com os dilemas do universo da educação, refiro-me aqui a: avaliação, relação ensino-aprendizagem, ter autoridade sem ser autoritário, dar liberdade sem que isso signifique libertinagem, e muitos outros dilemas. Nossa escola tem uma forte influência freireana, com isso entendemos a escola como um espaço onde se exerce poder, onde não se pode ser neutro, acreditamos na necessidade de contribuir para a formação de identidades culturais críticas e criativas. Porém há um certo descompasso entre as nossas intenções e os resultados que estamos obtendo. Há entre outras coisas um preocupante índice de repetência e evasão, é visível também o desinteresse por parte de muitos alunos com relação as aulas. Então me parece que o desinteresse pode ser um fator que contribui para a evasão e a repetência, não ignorando uma série de outros fatores que também estão presentes de ordem socio-econômica. Sendo freireana, como já mencionei, acreditamos que é da realidade dos alunos que devemos partir para desenvolver uma proposta que busque a transformação. Devido a isso vem se mostrar muito apropriada a utilização de uma pesquisa antropológica voltada ao interesse de evidenciar aspectos dessa realidade.
Eu vejo dentro da disciplina que trabalho uma relutância incrível dos alunos com relação a fazerem qualquer tipo de atividade sem que essa atividade valha nota. Posso estar enganado mas isso é o reflexo de uma interiorização da lógica mercantilista, onde o trabalho sempre deve ser remunerado. E se isso for verdade há algo de muito errado aí, pois a escola nada mais estaria do que contribuindo com a reprodução do status quo. Como romper com isso? Quais outras raízes estão ligadas com o desinteresse dos alunos? O que interessa o aluno? Por que tais coisas interessam ele?
Partindo de problematizações como essas presentes no nosso dia-a-dia, é que a escola se viu motivada a engajar-se em uma pesquisa de fundo antropológico, com o intuito de tentar deixar transparecer de forma mais nítida quem é o aluno de nossa escola. E assim estamos tentando nos aproximar mais da realidade sócio-cultural dos alunos, para poder de uma forma mais eficiente cumprir com o que pensamos ser o papel da escola, o qual seria promover uma consciência crítica e criativa voltada aos interesses do coletivo É bem possível que cada um dos professores vinculados nessa pesquisa, tenha seus anseios, suas ambições, seus temores. Eu acredito que todos os planos pessoais que cada um de nós tenha construído, por mais diferentes que sejam, todos convergem em um mesmo sentido: aproximar-se mais do alunos para melhor conhece-lo, e com isso poder desafia-lo a pensar criticamente o mundo e estimula-lo a ser cada vez mais criativo e independente, não na perspectiva desse individualismo caótico, mas sim no sentido da autonomia consciente de seus, direitos e deveres como sujeito histórico.
Me parece que um dos fatores importantes que contribuem para manter essa, aparentemente, intransponível distância entre o aluno e o professor, é que por mais contato que exista, por mais que se conviva dentro de uma sala de aula o professor não passa de um estranho aos olhos do aluno. Não quero dizer com isso que os professores devessem virar freqüentadores das casas dos alunos ou vice-versa, e nem quero afirmar que essa impressão de “estranho” possa ser dissolvida. O que eu estou tentando dizer é que, vejo a necessidade emergente a todo e qualquer professor que se pretenda um educador transformador, criar vínculos com o aluno, e eu não acredito que haja possibilidade de se criar qualquer tipo de vínculo sem se conhecer minimamente o aluno. Tenho a intenção de, através dessa pesquisa, poder criar um certo vínculo real com meus alunos, poder chegar mais próximo da realidade deles. E efetivamente eu creio que essa espécie de laço começará a ser construído quando se deixar cair o véu que existe entre aluno-professor. Esse desvelamento que irá evidenciar as feridas sociais, culturais e econômicas, as quais, por vergonha ou falta de confiança no professor geralmente passam cuidadosamente escondidas pelos alunos. Volto a dizer que não será o professor que irá cuidar de curar dessas feridas, haja visto os limites da educação dentro de um processo muito mais amplo de transformação, porém considero necessário ao educador que não apenas ele domine muito bem o tema do dialogo o qual está sendo estabelecido com o aluno, como também com quem ele está dialogando. Isso está ligado ao fato de estarmos pretendendo criar um novo currículo, uma nova visão de currículo, que procure contextualizar o conteúdo com informações como: Quem é esse aluno? O que ele lê, se é que ele lê? O que ele mais assiste na mídia? Como ele se diverte? O que é a escola para ele? E esse conhecimento não pode ser apenas teórico ele se dá também na empiria, no contato direto com a realidade do aluno. Eu penso que esse conhecimento apenas se dará na associação do conhecimento teórico, capaz de permitir a interpretação do empírico, e do conhecimento prático. Isso é no estabelecimento de uma práxis. Por exemplo quando trato de determinado fato histórico com meus alunos, e procuro desconstruir a versão oficial do determinado fato, mostrando-os outras perspectivas pelas quais também poderiam observa-lo, e que nessas versões estão contidos interesses, relativos a modos de ver o mundo. Assim com relação a mídia se de fato existe uma certa manipulação do modo de ver o mundo promovida por ela, e caso pretendo fazer algo semelhante com algum discurso contidos nela, seria interessante que eu tivesse presente, os espaços mais privilegiados para construção das suas identidades culturais, e aí sim saber contra o que estou lutando. A minha ansiedade de começar poder ver os primeiros resultados dessa pesquisa é muito grande. Construir os instrumentos para coletar os dados, aplicar esses instrumentos, começar a ler esses dados, tabula-los, são tarefas árduas porém extremamente estimulantes. Já que daí vai começar a surgir um novo modo de eu ver os meus alunos e também consequentemente de ser visto por eles. Eu acredito ainda na possibilidade de mudança, na possibilidade de construirmos um mundo melhor, mais igualitário, onde a natureza seja respeitada, onde o capital deixe de regular as relações sociais. Acredito na importância da escola dentro desse processo. E eu acredito que essa pesquisa é um passo, ainda que limitado e pequeno, em direção a esse mundo idealizado. Isso é algo motivador, que os professores do Cônego estão experimentando. Posso estar sendo ingênuo, com as minhas ambições relativas a pesquisa, mas apenas o fato de estarmos ousando mudar já é algo inegavelmente válido. Sem falar que não mais se sentir “dono” do currículo, causa uma sensação de insegurança e isso no meu caso, e não só no meu caso, faz com que procure ficar em máxima sintonia com a proposta e procure me unir mais com meus colegas professores. Assim a sensação de união, de companheirismo entre os professores eu percebo que aumentou.
Em suma, estou orgulhoso de fazer parte dessa família, que mesmo sendo humilde e pequena, tem coragem e determinação de ousar ser diferente. É bem verdade que isso é apenas a ponta de um iceberg. Estamos iniciando uma nova fase na nossa escola, que espero eu, nunca acabe, pois é uma prática dialética, já que nosso contato com a realidade dos alunos determinará uma nova prática por parte dos professores, e essa nova prática contribuirá, de uma forma ou de outra, com a mudança de aspectos da realidade dos alunos, assim teremos uma síntese disso, que dará origem a uma nova prática, e assim por diante. Essa busca de uma maior aproximação da realidade do aluno, eu espero que implique acima de tudo no fato de se estabelecer uma cumplicidade, um maior comprometimento entre ambos, o que é imprescindível para que possa ocorrer uma dialogicidade entre os dois mundos professor-aluno. E para isso ocorrer é necessário que pelo menos o primeiro possa conhecer minimamente o contexto do segundo e por isso que esse conhecimento somente se dá “in lócus”.

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